15 de jul. de 2011

Adoção: Quem está apto?

Postado por Fernando Assis às 19:27
Como sempre, passo a escrever – de um ponto de vista que não é isento, e nem poderia, pois não existe imparcialidade – a respeito da discrepância entre os discursos homofóbicos e a realidade que tentam alcançar. O tema eleito para este texto é sobre adoção de crianças e/ou adolescentes, considerando o que realmente significa estar apto não apenas para adotar, mas também para criar uma criança.



Comecemos por um elemento que acredito unanime entre os diversos setores da sociedade: A mera capacidade de um casal de gerar filhos não os faz, de modo algum, necessariamente aptos a criá-los. Enquanto geração da prole é algo mecânico e simples: qualquer par de adolescentes já está apto a fazê-lo, criar e educar uma criança depende de uma série de fatores sociais, econômicos e sentimentais que, talvez infelizmente, não nascem nos pais junto com a criança. Os filhos, dizem alguns mais atentos a realidade, não vem com manual.



Esse tipo de coisa nós percebemos todos os dias abrindo os jornais, vendo televisão, indo comprar um pão na padaria: O abuso e as variadas formas de abandono (material, intelectual, afetivo etc.) são extremamente comuns. Esse fato, entretanto, é comumente esquecido ou ignorado nos discursos dos setores conservadores e retrógrados contrários à adoção de crianças por homossexuais.



Esquece-se ou Ignora-se que a qualidade “ser heterossexual” não dá ao indivíduo nenhum conhecimento ou propriedade especial, inalcançável para os mortais homossexuais, que os façam naturalmente melhores pais ou educadores e, por conseqüência, esta mesma qualidade por si mesma não fará daqueles que se interessem em adotar uma criança a melhor escolha para isso.



Acredito, entretanto, que os casais – independente se homossexuais ou heterossexuais – que se propõe a adotar uma criança, ou ainda planejam com antecedência criar uma criança, possuem, em geral, melhores condições de fazê-lo do que aqueles que “sofreram” acidentes, ou nunca se preocuparam em usar contraceptivos.



Quais são, perguntamos então, os elementos que fundamentam o discurso que os homossexuais não devem ter direito a adoção/criação de crianças e adolescentes se não há conexão causal entre heterossexualidade e criação satisfatória dos filhos? A resposta, como sempre, encontra-se em mitos e fantasias – wishful thinking – vazias de dados empíricos ou racionalidade, vejamos.



Mito 1: Se naturalmente não podem ter filhos, Não devem ter filhos.

Opcional: [Insira Entidade Mística] não quer que eles tenham filhos



Este mito já desconstruímos no começo do texto: a capacidade de gerar filhos não qualifica ninguém para ter e criar filhos, ademais poderíamos considerar os diversos casais naturalmente estéreis se estão de acordo que se trata de algum tipo de punição bio-determinista, do destino ou de alguma figura divino-cósmica. Ademais esse tipo de argumento acaba completamente com o sentido de Adoção: criar crianças que não foram geradas pelo casal.



Mito 2: Pais homossexuais influenciariam a criança a torna-se homossexual

Subentendido: Homossexualidade é errada e não queremos mais deles na sociedade.



A 15 de julho de 2011, não existe, em qualquer parte do mundo, qualquer estudo científico que aponte para esse fato. Na verdade o contrário é verdadeiro: todos os estudos científicos realizados com casais gays ao redor do mundo mostram que as crianças criadas por pais do mesmo sexo não apresentam nenhuma diferença em problemas emocionais, de identidade de gênero, orientação sexual ou auto-estima se comparadas à crianças criadas por casais heterossexuais.



De fato, penso eu, por essa lógica, se a orientação sexual dos pais fosse determinante na constituição da orientação sexual do filho, não haveria homossexuais.



Fontes:



Notícias:

http://www.webmd.com/mental-health/news/20051012/study-same-sex-parents-raise-well-adjusted-kids



http://moms.today.com/_news/2010/10/04/5228129-the-kids-are-all-right-largest-study-of-gay-parents-shows-their-children-to-be-well-adjusted



http://childrenofgayparents.com/news.php?id=4



Pesquisas Científicas: (ilustrativas das centenas existentes)



Parenting and Child Development in Adoptive Families: Does Parental Sexual Orientation Matter?:

http://people.virginia.edu/~cjp/articles/ffp10b.pdf



Children of Lesbian and Gay Parents

http://www.rsu.edu/Faculty/RBoughner/courses/Intro/Alternative%20activities/Children%20of%20gays.pdf



Psychosocial Adjustment, School Outcomes, and Romantic Relationships of Adolescents With Same-Sex Parents:

http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1467-8624.2004.00823.x/abstract



Adoption of Minor Children by Lesbian and Gay Adults: A Social Science Perspective:

http://heinonline.org/HOL/LandingPage?collection=journals&handle=hein.journals/djglp2&div=15&id=&page=



Victimization, Social Support, and Psychosocial Functioning among Children of Same-sex and Opposite-sex Couples in the United Kingdom

http://dspace.brunel.ac.uk/bitstream/2438/2637/1/Developmental%20Psychology.pdf





Mito 3: Gays São Pedófilos e molestam suas crianças

Opcional: Miriam Rios disse que.....



Como em outro oportunidade já comentei a respeito sobre Pedofilia e homossexulidade: [http://www.facebook.com/note.php?note_id=10150240563948577], repito aqui apenas um dado: de acordo com todas as pesquisas feitas sobre o assunto, o perfil do pedófilo é de um homem heterossexual, casado que abusa da filha, enteada, sobrinha ou neta.



Mito 4: Gays não oferecem estabilidade no lar para as crianças

Subentendido: São imorais e vivem trocando de parceiros.



Nada melhor do que começar sem hipocrisia: atualmente 50% dos casamentos resultam em divórcios. Uma visita a qualquer escola pública ou particular mostrará as mesmas proporções de pais separados e crianças com dois lares.



Certamente, algo que sempre digo, dois errados não fazem um certo, assim não justificarei a hipocrisia do enunciado dizendo que os gays também tem direito de se divorciar se for o caso, mas apontar para o fato de que qualquer casal que deseje adotar uma criança, passa por uma série de avaliações psico-sociais que levam em consideração a estabilidade do lar em que a criança possivelmente virá a morar. Não nos esqueçamos também que o direito à adoção é irrestrito a condição civil: solteiros, casados, divorciados, viúvos e etc. podem pleitear adoção de crianças.



Mito 5: A criança chega à escola, perguntam quem é o pai e a mãe, a criança ficará confusa/não saberá responder/será motivo de chacota dos coleguinhas.

Subentendido: Nós já ensinamos aos nossos filhos desde pequenos que homossexualidade é errada e motivo para chacota e ódio





A criança chega à escola e diz que só possui a mãe e desconhece quem é o pai; chega à escola e diz que mora com os avós; chega à escola e diz que mora com o pai e a nova esposa dele. Já expressei em outro momento [http://www.facebook.com/note.php?note_id=10150249488998577] a questão sobre as configurações modernas da entidade familiar e dá mesma forma que outras formas sem ser pai-mãe são aceitas, pai-pai ou mãe-mãe também devem ser.



Na verdade o que se quer com este argumento é assegurar o direito ao ódio e ao bullying por parte de certos setores que preferem educar os filhos dizendo que determinada conduta é errada ao invés de ensinar-lhe a tolerância e o respeito.



Aliás, falando em bullying, a orientação sexual dos pais ou da própria criança/adolescente são apenas dois entre os diversos motivos que levam indivíduos a mal tratar colegas como sobrepeso, timbre de voz, capacidades intelectuais, uso de adereços exóticos, etc etc etc., todas as crianças estão, por algum motivo, sujeitas ao bullying o que de qualquer maneira não deveria ser tolerado pela a escola ou pela família.



Assim, se a criança sofre discriminação por possuir pais do mesmo sexo, o erro partiu da má educação dos pais em não ensinar o respeito e passará a ser da escola se esta não intervier e tornar o ambiente saudável para todos os alunos, de modo que possam conviver harmonicamente.



Mito 6: É melhor não ter pai algum do que ter Pais homossexuais

Opcional: [Insira texto religioso] Diz que Homossexualidade é errada e Imoral.

Subentendido: Meu ódio irracional por esta conduta me faz acreditar que é preferível manter crianças num orfanato longe do amor e afeto que duas pessoas podem dar a ela.



Infelizmente, chegamos neste triste argumento, que é proferido com maior freqüência do que muitos podem acreditar. Desconstruídas todas as afirmações sem base empírica, na verdade sem qualquer base, caímos nesse tipo de afirmação e me pergunto: O que uma pessoa como essa pode ensinar aos filhos? Ou ainda, está mais apta a tê-los do que duas pessoas que dentro da sua relação não podem gerar crianças?



Pela clara desumanidade e irracionalidade da afirmação, não há necessidade de analisá-la a luz de argumentos sobre ética ou moral, mas cabe uma análise por um documento que vem sido invocado em muitos argumentos contra a união homossexual, a constituição federal, vejamos o que ela nos diz sobre as crianças/adolescentes:



Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão



Colocados como “prioridade absoluta” estão os direitos da criança e do adolescente que de forma alguma são satisfeitos ou alcançados nos abrigos pelo País. Pergunto: então ao invés de dar a guarda para pessoas que possam se ocupar da sua saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade devemos mantê-la num abrigo?

Será que essa também é a opinião das crianças que hoje podem ser adotadas? Será que elas preferem ficar no abrigo a ter dois pais ou duas mães? Ou será esse o mais vergonhoso e hediondo egoísmo/egocentrismo que estamos presenciando? Qual o limite do ódio e da irracionalidade? Talvez, não tenha limites.



Termino esse texto, trazendo algumas informações que julgo interessantes sobre a adoção no Brasil e coloco sob reflexão o fato: Será que os casais heterossexuais estão assim, tão mais aptos?



Algumas informações de acordo com Legislação Atual:



- O adotante deve ser maior de 18 anos.

- Independe do estado civil (se solteiro, casado, ligado por matrimônio ou união estável).

- A diferença mínima entre adotante e adotado deve ser de 16 anos.

- Devido Processo Jurídico com participação do Ministério Público.

- Não há impeditivos na legislação para adoção devido à orientação sexual.



Alguns Dados:



- Existem hoje cerca de 29 mil crianças e adolescentes em abrigos no Brasil das quais cerca de 4 mil estão aptas para adoção no momento.

- Existem hoje cerca de 27 mil famílias interessadas em adotar



Alguns Problemas:



37% dos interessados só aceitam crianças brancas --- 70% das crianças são Negras ou Pardas

83% dos interessados aceitam adotar uma criança --- 71% possuem um ou mais irmãos

- 82% querem crianças com até 1 ano de idade; 10% aceitam crianças a partir dos 4 anos, não chegando a 3% a partir dos 6 anos, A partir dos 8 anos não chega a 1% de interessados.

- 90% das crianças nos abrigos já possuem 5 ou mais anos de idade.



Dados providenciados pelo Conselho Nacional de Justiça.

Escrito por Nelson Bondioli

4 comentários on "Adoção: Quem está apto?"

Angélica on 15 de jul. de 2011, 22:36:00 disse...

Vou confessar que nao li o post inteiro, porque também ele é gigante ahaha e eu tenho um livro inteiro de mitologia a minha espera pra ler antes de dormir hahaha mas lendo uma parte e vendo o titulo do texto me recordei claramente de algumas da minhas aulas de filosofia e varios trabalhos que eu abordei esse tema, e eu apoio totalmente a adoção.
Um tema bastante polemico e que eu em partes sou contra, apoiando o aborto, é o da inseminação artificial, não que eu seja contra, mas em partes acho mais correto usar o dinheiro que seria utilizado nesse processo ''cientifico'', para dar uma vida digna a uma criança que ja esta no mundo, a procura de um pai, de uma mae, e muito amor. Mas acredito que nisso influencia muito o preconceito, pois o povo em geral prefere as criancinhas de pele clara, olhos claros deixando muitas outras na ''sargeta da vida''.
Enfim, estou seguindo o blog, e convido vc pra visitar o posdezesseis.blogspot.com =)

blogthaissantos on 15 de jul. de 2011, 23:20:00 disse...

Olá, tudo bem? :)
Adoramos o seu blog e o conteúdo que ele possui, e por isso estamos te seguindo!
Dá uma passadinha no nosso tb..
Um beijo e ótima sexta-feira!

SXB on 14 de ago. de 2012, 17:58:00 disse...

O problema é a burocracia para adotar uma criança, é muito difícil adotar um bebê, estou em processo para adotar e já soube que a maioria das crianças ficam até 2 anos num abrigo enquanto procuram a família biológica dos mesmo... como se essa família tivesse interesse em adotar. Tenho conhecidos que estão a mais de 3 anos na fila de adoção. Os juizes, responsáveis por dar a guarda provisória e definitiva, deveriam ficar uma semana VIVENDO em um abrigo para saber o quanto é prejudicial a demora da adoção. Se a mãe sumiu, a família não procura é pq a criança, em uma nova família, merece ser cuidada. É um absurdo uma criança ser abandonada em qualquer lugar e a "justiça" querer procurar algum familiar para ficar com a criança, sabendo que existe uma fila de pais querendo um filho. Só quem não pode ter filho sabe disso. E é por isso que as clínicas de fertilizações estão cheias, o processo é menos angustiante, ja passei por 3 FIV e paralelo a isso estou na fila de adoção ... Se todos(as) os(as) juizes(as) que julgam as guardas fossem estéris ou o(a)companheiro(a) fosse estéril, se eles sentissem na pele a dor e a vontade de ser pai ou mãe e não poder gerar um filho, se eles acompanhassem de perto os abrigos aonde ficam as crianças, que em geral é uma cuidadora para oito criança, impedindo qualquer desenvolvimento normal e afeição da criança ... talvez as coisas seriam mais efêmeras. Infelizmente é o Brasil e não vivemos de "SE".

SXB on 14 de ago. de 2012, 18:02:00 disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
 

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